06 julho 2008

CAIO FODÁSTICO ABREU

Tenho alguns livros desse homem e ainda não sei dizer se gosto ou não. Aliás, saber eu sei:

A-m-o. Amo o jeito dele de comer a última palavra da frase; amo esse estilo que me confunde e se não prestar um cadim de atenção me perco entre o que é dito, pensado ou sentido pelas personagens; amo os lapsos na cronologia dos fatos; amo as frases cruas e a (in?)previsibilidade emocional, que me remete ao caos cinestésico no qual estamos todos imersos, afinal; amo a fragilidade latente, que só vira agressão pela mais absoluta canhestrice.

O-d-e-i-o. Odeio aquele turbilhão descritivo que me torna incapaz de imaginar o que ele quis que fosse importante nas frases; odeio quando ele faz a loucura e a sordidez humanas nos parecerem mais familiares; odeio tudo ser tão factual, consumado, irretorquível, tristíssimo... odeio tudo estar a um passo da histeria e ainda assim ser perfeitamente compreensível. (Na verdade eu acho que odeio mesmo é que isso pode ser um indício da minha histeria hohoho!)

E é isso. Odeio-te, meu amor! rs

(mudando de assunto, mas nem tanto, alguém concorda comigo que escolheram mal a adaptação de Caio F. pros cinemas? Onde Andará Dulce Veiga tá me parecendo tão comercial qto Cazuza, O Tempo Não Pára. tsc Pra fazer jus ao talento do homem, deviam filmar Pela Noite, dai teríamos o nosso próprio Segredo de Brokeback Mountain, que perderia na fotografia mas seria um escândalo de roteiro e interpretações!)


N.A.: e pr'os que ainda não se deram conta, esse blog é um diarinho. E já que acordei numa mulherzice insuportável - de novo - termino falando do meu coração, pinçando as frases dele (as mais desarmadas, e por isso verdadeiras e por isso², belíssimas):

Nave, ninho, poço, mata, luz, abismo, plástico, metal, espinho, gota, pedra, lata... passei o dia pensando — coração meu, meu coração. Pensei e pensei tanto que deixou de significar uma forma, um órgão, uma coisa. Ficou só som-cor, ação — repetido, invertido — ação, cor — sem sentido — couro, ação e não. Quis vê-lo, escapava. Batia e rebatia, escondido no peito. Então fechei os olhos, viajei. E como quem gira um caleidoscópio, vi:

Meu coração é um sapo rajado, viscoso e cansado, à espera do beijo prometido capaz de transformá-lo em príncipe.

Meu coração é um álbum de retratos tão antigos que suas faces mal se adivinham.

Meu coração é o mendigo mais faminto da rua mais miserável.

Meu coração é um ideograma desenhado a tinta lavável em papel de seda onde caiu uma gota d’água.

Meu coração não tem forma, apenas som.

Meu coração é um entardecer de verão, numa cidadezinha à beira-mar.

Meu coração é um anjo de pedra com a asa quebrada.

Meu coração é um bar de uma única mesa, debruçado sobre a qual um único bêbado bebe um único copo de bourbon, contemplado por um único garçom. Ao fundo, Tom Waits geme um único verso arranhado. Rouco, louco.

Meu coração é um sorvete colorido de todas as cores, é saboroso de todos os sabores. Quem dele provar, será feliz para sempre.

Meu coração é um deserto nuclear varrido por ventos radiativos.

Meu coração é o laboratório de um cientista louco varrido, criando sem parar Frankensteins monstruosos que sempre acabam por destruir tudo.

Meu coração é uma velha carpideira portuguesa, coberta de preto, cantando um fado lento e cheia de gemidos — ai de mim! ai, ai de mim!

Meu coração é um poço de mel, no centro de um jardim encantado, alimentando beija-flores que, depois de prová-lo, transformam-se magicamente em cavalos brancos alados que voam para longe, em direção à estrela Vega. Levam junto quem me ama, me levam junto também.

Recortes de "Na Terra do Coração", em Pequenas Epifanias.


ET: A quem interessar possa, eu ando muito precisada desse livro ai ó, o "Pequenas Epifanias"... "Cartas" tb faria uma criança feliz, muito feliz eu diria. rs

7 comentários:

Camilinha disse...

eu também amo.


beijos daqui...

Anônimo disse...

Ótimo.
Eu estava à caça de algo bom pra ler. Ou da sugestão de algo que valesse a pena.
Achei.
Boa semana.
Abraço

Jana disse...

Vc sabe que eu tenho uma relação parecida com ele né...

Olha, Pequenas Epifanias, eu tenho em Ebook, mas sei que tu não curte rsrs. E Cartas eu tenho ele todo, grifado que só eu sei, é pra mim o melhor livro, mas... (tinha um mas...) eu ganhei de presente, então me sinto assim, incapaz, de passa-lo pra frente!

Beijos

Anônimo disse...

Amiga, Ao ler os recortes finais desse texto lembrei da música do Geraldo Azevedo: "Meu alegre coração é triste como um camelo, é frágil que nem brinquedo, é forte como um leão,(...) é todo amor, é desmantelo, é querubim, é cão de fogo, é Jesus Cristo, é lampião". Cabe dentro de mim.
Olha, vim te visitar porque estou com saudade e para te contar duas novidades: Estou apaixonada pela Elisa Lucinda (fui à peça que te falei) e comprei dois aparadores de livros para te dar em Penedo ontem. Nem sei se ainda queria, mas sei que não vão faltar livros nas suas prateleiras para aparar pela vida. Bjos, Éllen

disse...

tambem adoro Caio Fernando Abreu...
Tenho varias frases anotadas de seus livros... elas dizem muuito!
me visite!
gostei muito daqui...
beijo e boa semana!

Mônica disse...

com certeza "Onde andará DV?" não é o q de melhor poderia ir parar nas telonas! Anda mais com com a Carolina D. e Maitê P.no elenco ( eca duplamente!!!!)


bom, " Cartas" é super, mas Epifanias é simplesmente o famoso chute no útero.....quem sabe, um dia o Mr Postmasn não bate aí??????

Jana disse...

Não vai dar as caras no msn não?

tsc...