28 dezembro 2007

RETROVISOR

Há exatos 12 meses eu andei me fazendo umas promessas ai e contrariando todos os prognósticos reservados a essas resoluções de fim de ano, estou até meio orgulhosa de constatar que cumpri com louvor t-o-d-a-s as minhas.

É que eu precisava urgentemente me levar menos a sério. Estava pre-ocupada com esse meu caminho de nuvens brancas e interrogações de todos os tamanhos, cores, fontes e temas. Manda a verdade que se diga: essa foi a parte que eu precisei abstrair, que a vida continua mansa e as interrogações seguem, pairando impunemente sobre a minha cabeça de vento.

Mas na parte prática da coisa eu me sai melhor do que esperava. Vejam:

Terapia

Comecei achando que há qualquer coisa de muito triste em pagar alguém pra me ouvir, evolui para a constatação de que é uma escuta qualitativamente diferente e agora estou absolutamente rendida: de achismos já bastam os meus! Adoro minha terapeuta, tô com saudade dela (estamos tirando férias) vejo progressos (lentos, mas enfim...) e ano que vem lá estaremos nós, eu e meus neurônios over produtivos, aprendendo a ser mais gente e a desembaraçar pensamentos matinais ou não.

Ser menos pontual
Atraso é uma coisa que realmente acaba com meu bom humor. Mas aki no Brasil horários não são pra ser cumpridos, servem só pra dar uma noção e eu me conformei com isso. Continuo achando de muito mal tom deixar alguém esperando mas agora trago sempre um livro pra sacar da bolsa se ficar plantada esperando alguém. SE ficar, pq agora quem se atrasa sou eu rs

Ser menos cordata
Claro que continuo sendo prudente, que certas coisas só nascendo de novo pra gente mudar. Mas aquela placidez, aquele sorrisinho imperturbável, aquela coerência toda? Cabô, neguinha. Voltei de Marte, agora sou normal (risos). De carne, osso e alguns rompantes.

Ser menos poliana
Olhe, eu confesso que gosto do meu jeito (des!?)apaixonado de ver as coisas. Seria meio míope, é verdade, mas beeeeeeeem mais habitável o nosso mundo se toda a gente se esforçasse pra dar às coisas a dimensão que elas têm. Sem ser nem passional nem indiferente,sabem como? Dai que foi difícil mas tem gente ai que aprecia os resultados, hein Jana? hohoho

Ouvir mais, falar menos e opinar menos ainda
Essa teve o grau de dificuldade d´Os 12 Trabalhos de Hércules, sem dúvida. Sou linguaruda por formação mas me esforcei o ano todo pra emtir opiniões apenasmente quando solicitada, o que já é um bom começo, dada a minha tendência à carpinteiro do universo. Mas como o ser humano se acostuma rápido,constato com alguma surpresa que nem é tão difícil assim ficar quieta. Nem é difícil e pode ser bem divertido tb.

Gastar mais dinheiro comigo mesma
Já confessei aki que sou meio canguinha e acho até que isso é incurável, mas acho tb que a maioria das coisas bacanas que a gente vive não tem preço, logo, gastar alguns dinheiros com elas não me deixará mais pobre do que já sou.

Lutar contra minha preguiça
ow, trago uma indolência garfieldiana tão enraizada na alma que quase não me dava conta mais. Dai que me esforcei em pqnas coisas e assim, ainda não sou a mais empolgada ever-ever, mas podem voltar a me chamar pro´s lugares que talvez eu vá sem torcer o nariz. rs

Entender os motivos dos outros
Entender nem é o difícil. Habilidade congênita, quase. Mas eu precisava aprender que não posso fazer nada com o que as pessoas sentem/pensam/falam/fazem/querem, sabe? São os motivos deles e eu devia achar tão legítimos qto os meus. Ou esse espetáculo de maturidade ou abstração total, que foi-se o tempo de me gastar por quem não merece um minuto da minha atenção. (amém, né? rs)

Dar atenção diferenciada aos meus motivos
Esse item dava um texto a parte. Pq eu simplesmente não enxergava com a necessária clareza os meus motivos. Na verdade, grande parte deles eram sub-motivos, acoplados aos interesses de outros seres. É de pasmar o qto não me vejo, logo eu, tão consciente das coisas ao redor. tsc Claro que uma vida inteira é pouco se conhecer, se amar, se aceitar e tals, mas gostei da brincadeira!

Que venha 2008 \o/
(menos tormentoso de preferência, será que é pedir demais?)

26 dezembro 2007

MIMOS DE NATAL

Depois de aaaanos a fio sendo meu próprio papai noel e me presenteando com coisas que não comprei nos meses anteriores por pura sovinagem, eis que o céu teve piedade e me providenciou um. Aliás, uma mamãe noel, pra ser mais exata.

Todo mundo que vem aki já sabe que Jana e eu passamos muito tempo no MSN; que somos duas polianas incorrigíveis mas que por força do nosso histórico afetivo talento pra más escolhas nós dissimulamos essa delicadeza toda numa fantasia de mulher maravilha; que nossos textos catárticos - além de truncados - tem efeitos praticamente teraupêuticos... enton é claro que eu tinha que contar pra vcs, parcos e queridos leitores, que essa pessoa a quem aprendi a amar e com a qual passo horas consideráveis a conversar de amenidades aos mais variados tipos de surtos, me presenteou com "A Casa dos Espíritos", de Isabel Allende.

E eu lhes digo que me senti como aquelas crianças que escrevem pro Papai Noel da ECT... rs Como já disse, no natal meus presentes são comprados por mim mesma, e vigiar mr. postman durante 3 dias deve ter me rejuvenecido uns 5 anos. Sem contar que presente e cartinha chegaram no mesmo dia. Vejam se não é de chorar num cantinho:

De: Janaína Beneduzi
Enviada em: quinta-feira, 20 de dezembro de 2007 08:16
Para: Luciana Reis
Assunto: A carta

Eu fiquei aqui procurando palavras que representassem o meu carinho e admiração por você. Que conseguissem explicar o quanto podemos ser tão parecidas e ao mesmo tempo tão diferentes. Sem parecer piegas, sem que isso soasse um amontoado de coisas que dizemos sem sentido (e olha que somos experts nisso), mas acredito que quando falamos de almas, de sensações e de pessoas, acabamos sempre por não nos fazer entender completamente.

O que sinto por você é mais que admiração, é respeito, é cumplicidade. É mais que carinho, é amor daqueles que sentimos por quem queremos muitíssimo bem. Aquele amor que quer proteger. Tu és daquelas pessoas extraordinárias, que não apenas existem e sobrevivem, tem ânsia de viver, a urgência de realizar, e as torturas das pessoas que não se encaixam, por que o que existe não basta, é pequeno para sua própria existência.

"Barrabás chegou à família por via marítima», anotou a menina Clara com a sua delicada caligrafia. Já nessa altura tinha o hábito de escrever as coisas importantes e, mais tarde, quando ficou muda, escrevia também as trivialidades, sem suspeitar que cinquenta anos depois os seus cadernos me iriam servir para resgatar a memória do passado e sobreviver ao meu próprio espanto..." É assim que começa A Casa dos Espiritos, falando sobre uma menina que escrevia, e que anotava tudo, que colocava em linhas todo seu pensar, uma menina que escrevia para salvar-se ou salvar alguém, que escrevia sem se dar conta do quanto isso acabou sendo importante para as outras pessoas. E assim é você. Alguém que escreve para esvaziar-se, para entender-se e assim, despretenciosamente, consegue fazer com que pessoas sintam-se semelhantes, consegue sem nunca ter trocado um simples olhar, que eu possa me sentir tão próxima e realmente querida. És como Clara no que se refere a conhecer a alma humana.

Assim como te encontrei e te reconheci em Clara, tens um pouco de cada, e de muitas pessoas, a inquietude de Clarice, a maneira perspicaz de Caio, a ironia de Calvin... Não adianta, me perco nas palavras e não consigo chegar... Bem, esta é a cartinha que deveria ter ido junto, espero que como eu, tu te encontre e te reconheça nas linhas da história dessa familia, que entre tantas pessoas teve uma, Clara, Claríssima, Clarividente, que decidiu ficar 9 anos sem falar, não porque não pudesse, simplesmente porque lhe faltava vontade.

Amo vc!
Agora vcs avaliem o valor que esse livro adquiriu! Mais uma pérola para "o meu íntimo tesouro, cinestesicamente incalculável e de nenhum valor comercial" (E aguardem que brevemente lerão algumas linhas sobre Clara del Valle hohoho)

Guria, eu tb te amo!!!!

17 dezembro 2007

TRANSPARENTE

Señor, dame la gracia de ser transparente contigo, conmigo y con todos
No teniendo nada que esconder, nada que disimular,
Nada que disfrazar en mi conducta, en mis pensamientos

Que te conozca, que me conozca como soy
Que asi me vean los demas: transparente en mi verdad

Quiero ser como un libro que se lee, con el alma en la palma de la mano
Quiero ser, quiero ser

Quiero acabar con todas las sombras que viven en mi alma aceptàndolas
Es decir, aceptàndome a mi misma tal como soy, con luces y sombras
Quiero ser lo que me has llamado a ser

Já tem tp que esse é o correspondente musical pra minha maior ambição. Desde a 1ª vez que a ouvi, achei que Glenda Fernandes foi de uma precisão cirúrgica qdo disse que quer ter a alma na palma da mão, pq era isso que diria, se tivesse talento! Mas agora que consigo através do rascunho ser um livro que se lê (que pretensão pouca é bobagem!), parece-me que mudei de foco rs

É que eu podia jurar que me conhecia. Passei anos a fio me achando a bala que matou Kennedy por ser menos passional do que as pessoas que me cercavam. Convenhamos que é praticamente uma vantagem competitiva não morrer de ansiedade, não ser patologicamente desconfiada, ter amor próprio e um senso de justiça razoável. É, mas virtudes tão almejadas pela humanidade não se dão assim tão impunemente... dai que nesse anozinho duzinfernu que felizmente está no fim, eu pude sentir na carne o qto estou longe de me conhecer como sou. (até pq eu sou várias rs). Se por um lado os demais já me vêem transparente em minhas verdades, pra mim mesma as vezes a coisa ainda embaça um cadim. E pra ratificar ainda mais minha miopia, há verdades simples, cristalinas, que g-e-r-a-l vê, menos eu. E eu diria que são tão minhas que simplesmente não há explicação pra não te-las enxergado antes.

Mas apesar de cretino, esse ano serviu pra eu me aceitar em luzes e sombras. Aliás, outra coisa que eu jurava que fazia relativamente bem. Embora seja obrigada a reconhecer que me é sempre mais fácil confessar as sombras...tsc Luz em mim, só a dos olhos. E isso só não é, assim, irretorquível por conta de delicadezas desse naipe ó:
Essa moça ? Ela expressa muita coisa pelas fotos que tira, pelas palavras que escreve, por tudo que gosta, por aquilo que confessa, pelo muito que anseia, pelo sorriso ofegante de alegria quando abraça quem ama, pelo cabelo curto, pelos óculos escuros, pelos livros que lê, pelos filmes que vê, pelo mundo que enxerga dentro de si, pela multiplicidade de idéias, pelo desejo de viver muitas vidas que admira e que não sendo suas, ainda assim a fascina.... Essa moça parece ser do tipo que se "joga" na vida, intensidade, orgulho, felicidade genuína e merecida quando recebe um elogio (coisa que como boa leonina adora! hahaha), olhos de gazela e espírito de leão (não se enganem com a fragilidade...rs). Essa moça é afetuosa e por enquanto tá buscando coisas na vida... Como aliás, todos nós estamos...Uns já sabem o que, outros vão tentando descobrir. Essa moça é o que transparece ser. Se eu a conheço ? Desta vida acho que não! rs...Mas entre seres sensíveis percepções são sempre possíveis!
Ana D
E viva o mundo blogueiro! É aqui que me convenço de que há algo bem bacana em mim, além da luz bonita nos olhos...

13 dezembro 2007

TODAS ELAS JUNTAS NUM SÓ SER...

Eu pensava que era a única, mas depois de ver o povo chegar ao rascunho buscando no google frases pinçadas do meu perfil, mr. Sitemeter me convenceu de que as pessoas lêem perfil sim. Enton, quem passa por aki já percebeu que o meu não é nada modesto né? rs

Sim, meio over tantas - e aparentemente tão divergentes - referências numa mesma pessoa. Mas sabem, a pessoa em questão é exagerada. transborda. Não cabe em si. É v-á-r-i-a-s. Várias e nenhuma, sabe como? (Ana D sabe!)

Assim ó: as semelhanças são pedacinhos meus que vivem por ai. São tão "eu" que reconheço qdo os vejo nos outros. E como são meus, me apodero de quem os possua. (começando a achar desnecessária e enrolada essa tentativa de explicar, mas enfim...) Estou inteira em cada um dos pedacinhos, ok? Dai que nem sempre eles são, assim, um primor... lindo ser a Beatriz de Chico, poético e tals. Mas, manda a verdade que se diga, tb sou o Filho Único de Cazuza. Eu posso me tornar a casinha do alto do morro que Armandinho pediu pra Jah e posso tb, sem o menor trabalho, me revelar a Boneca Que Tem Manual de Vanessa da Mata. Poderia ser tanto a pedra mais alta quanto a sereia de Fernando Anitelli. Já fui a moça bonita que cheira qual botão de laranjeira de Geraldo Azevedo e atualmente luto pra deixar de ser o Carpinteiro do Universo de Raul Seixas. Entendem? A coisa é quimérica, etérea.

Mas tive vontade de escrever sobre isso pq descobri que não sou a única que viaja nessas coisas,assim, úteis e de interesse vital pra humanidade: Jana já tinha dito há mó tempão - e Candice assina embaixo - que sou meio Clara de Isabel Allende ("A Casa dos Espíritos", a quem interessar possa) Fiquei feliz e giga curiosa pq ainda não li o livro nem vi o filme. Dia desses Ana D comentou que tenho alguma coisa de Amelie Poulain. Ahhhhhhhhhhh, mas não é uma graça? Bem, eu não repetiria isso alto, mas qdo vi o filme, tb achei. Eu ia até reve-lo antes de escrever, mas o DVD não tá comigo e se deixar pra depois, acabo não escrevendo. (E ó, nem ligo se ela tem cara de retardada. rs Pq eu posso não ter cara, mas o resto é down total...)

Perceberam né? Adorando essa coisa das pessoas tb sacarem que sou muitas!!! Não é bacaníssimo um ser que nunca me viu conseguir me enxergar onde, objetivamente, eu jamais estaria? (em Audrey Tautou eu só poderia, com muita sorte, estar no branco dos olhos, concordam?)

Alguém ai enxerga algum pedaço meu perdido em outra pessoa/coisa/lugar/música/personagem? hohoho

11 dezembro 2007


* Jana, seria um esboço do nosso livro???? hohoho

07 dezembro 2007

(NEM) TODA MULHER GOSTA DE ROSAS

Essa é uma das verdades mais fáceis de se constatar a meu respeito. É só olhar.

Não gosto de rosas (nem as denotativas - muito menos das variantes conotativas rs) e de qualquer outra espécie de flor que me seja dada de presente. Isso partiria o coração de Candice, coitada, que já teve (tem ainda, tri?) uma gérbera batizada de clara, mas sejamos práticos: o que se faz c/ uma flor? Claro, que não sou tão insensível assim, há respostas hiper poéticas, mas pra mim flores (e bichos) perdem 90% da graça fora do lugar onde nascem, longe das coleguinhas.

Tb ando absolutamente na contra mão da mulherzisse, digamos, visual. Questão de estilo. No meu caso, falta de. Olhe e repare na falta de pinduricalhos, maquiagem, saltos, saias, e bla bla bla: Dispensáveis ever-ever. Saias limitam meus movimentos; saltos atentam contra a minha integridade física; maquiagem faz me sentir uma palhaça; brincos & cia. incomodam... definitivamente eu não combino com essas coisas!

Maaaaaaaaaaaaaaaans absolutamente alheias a esse detalhe as pessoas se casam. Se casam e lá vou eu madrinhar... dai que começa a saga de pessoas c/ algum senso estético e mto amor por mim, que preciso de consultoria pra TUDO! O que vestir? que cor? o que calçar? o que pendurar? quem me "pintar"? como faz com esse não-cabelo? e por ai vai... é tudo bem engraçado, né Bibia?

A parte que realmente me dói na alma é pagar por essa montagem toda. Já sou meio canguinha desde criança, mas nessas horas eu viro o próprio Tio Patinhas.... mooooooorro de pena! Um desperdício imperdoável. tsc

Tenho pela frente dois casamentos. E ontem fui lá decidir o que vestir. Depois eu mostro procês o resultado.

04 dezembro 2007

LIMBO É O CARALHO!!!!

Dai que eu andava triste, tristinha (mais sem graça que a top model magrela na passarela!) mas não há tristeza que resista ao sol sorrindo forte, a um amigo que te lê os pensamentos e às cachoeiras de Penedo:

Já seria o suficiente pra eu criar vergonha na cara e sair desse limbo, mas - um brinde ao delicado da vida - hj Deus Paizinho resolveu caprichar:

Ei...passei por aqui. Gostei muito do que vi, viu??? Não prometo passar sempre (vc me conhece...) Mas, de vez em quando, passo pra matar a saudade.

Volta e meia penso em vc... Meu coração aperta de tanta gratidão à Deus. Não entendo por que as pessoas insistem em acrediar que a distância separa os amigos.

Te vejo pouco, mas é como se tivesse te visto ontem, e antes de ontem, e antes de ontem de ontem... E é como se tivesse a certeza de que sempre te verei em breve.... sem nenhuma
obrigação de nada... Te vejo sempre, minha querida, em minha mente e no meu coração.

Saudades, Gabriel BH
Não é de chorar num cantinho???? Não é pra ser infinitamente grata à vida por nos abrir os dois olhos para as ninharias que remetem ao essencial?

Bastava, juro. Mas pra fechar o dia (e calar a minha boca reclamona forever!) ganhei um selo fofo e palavras mais fofas ainda:


A idéia do mimo veio daki e o recebo - cretinamente feliz e saltitante - das mãos mui generosas de Erika.

Como regra, além da missão ingrata de indicar mais 5 blogueiros, há de se dizer o motivo da indicação. Ó que gracinha o que se pensa do rascunho lá pelas bandas de BH:
Vida no Rascunho: Da minha amiga irmã gêmea univitelina separada na maternidade, que questiona tudo, principalmente a si mesma, com emoção e um humor finérrimo.
Viver é ou não fúria e folia rumo ao mágico????

03 dezembro 2007

LIÇÃO PARA PENTEAR PENSAMENTOS MATINAIS

Pensamentos, como cabelos, também acordam despenteados. Naquela faixa-zumbi que vai em slow motion, desde sair da cama, abrir as janelas, avaliar o tempo e calçar os chinelos até o primeiro jato da torneira – feito fios fora de lugar emaranhando-se, encrespam-se, tomam direções inesperadas.Com água, mão, pente, você disciplina cabelos. E pensamentos? Que nem são exatamente pensamentos, mas memórias, farrapos de sonho, um rosto, premonições, fantasias, um nome. E às vezes também não há água, mão, pente, gel ou xampu capazes de domá-los. Acumulando-se cotidianas, as brutalidades nossas de cada dia fazem pouco a pouco alguns recuar – acuados, rejeitados – para as remotas regiões de onde chegaram. Outros como cabelos rebeldes, renegam-se a voltar ao lugar que (com que direito?) determinamos para eles. Feito certas crianças, não se deixam engabelar assim por doce nem figurinha.

Pensamentos matinais, desgrenhados, são frágeis como cabelos finos demais que começam a cair. Você passa a mão, e ele já não está mais ali – o fio. No travesseiro sempre restam alguns, melhor não olhar para trás: vira-se estátua de cinza. Compacta, mas cinza. Basta um sopro. Pensamentos matinais, cuidado, são alterados feito um organismo mudando de fuso horário. Não deveria estar ali naquela hora, mas está. Não deveria sentir fome às três da tarde, mas sente. Não deveria sentir sono ao meio-dia, mas. Pensamentos matinais são um abrupto mas com ponto final a seguir. Perigosíssimos. A tal ponto que há risco de não continuar depois do que deveria ser uma curva amena, mas tornou-se abismo.

E só vamos em frente porque começam a acontecer urgências. Enquanto a manhã dispara e o telefone toca e a campainha soa e as crianças vão precisam sair para a escola e o relógio de ponto ou qualquer coisa assim – incluindo os outros, sobretudo os outros – não esperam. Nada espera, ninguém. Você lava o rosto, finge não ter visto coisa alguma. É possível também ligar o rádio. Um banho frio, o café feito uma bofetada. Há pensamentos-matinais-despenteados que põe o rabo entre as pernas e dão o fora, mas outros – mulheres de Nelson Rodrigues – adoram apanhar.

Quanto mais você bate, mais ele arreganha os dentes e instiga para apanhar mais. Isso magnetiza e atrai outros pensamentos, ainda mais descabelados e até então escondidos. Se era um nome, vem um sobrenome. Se era um rosto, vem a textura da pele, um cheiro um jeito de olhar. Se fantasia, ganha cor, e assim por diante. Pensamentos desse tipo são quase sempre proustianos: loucos pelo velho e bom tempo perdido.

Soluções mais grosseiras, há. Como papel higiênico, amarrotá-los, jogá-los na privada, dar descarga. Acontece que descargas, não quero parecer alarmista, às vezes entopem. E devolvem justamente aquilo que deveriam levar embora, num comportamento que é o avesso daquele para qual foram programadas. Ah o avesso, esse o problema. Pensamentos assim são um sintoma do avesso. E o avesso é a superfície correspondente, igual em tamanho e forma, a tudo aquilo que você considera o direito. Conhecer de cor-e-salteado o direito absolutamente não dá direito a conhecer também o outro lado. Sinto muito, mas ele sempre está lá. Incógnito, invisível, inviável. In, enfim.

Por ser assim, desordena-se. Pelas manhãs, mesmo que o de-manhã de alguns aconteça às seis da tarde. Mesmo nos calvos, a cabeleira abstrata pode amanhecer tão eriçada quanto a da Medusa. E se em vez de veneno as cobras tiverem mel? Tudo depende não me pergunte de quê. Só sei que deve-se olhar direito nos olhos deles, tocar sem nojo nem medo suas mãos cobertas de musgo, teias de aranha. Passar num susto a mão pelos cabelos, reais ou não. Deve-se sempre com a doçura e paciência possíveis nessas situações, mudar rápido de assunto. Ou cair no poço.
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Caio Fernando Abreu, em "Pequenas Epifanias"