31 janeiro 2010

SOBRE A ÁGUA, O COPO E AS SEDES ALHEIAS...

Gosto da experiência de ser água. Deve haver algo de divino em se dar de modo que sacie alguém... Vivo me derramando, torrencialmente ou gotejante, sobre coisas e pessoas. E se me represo, capaz seria de alimentar uma hidroelétrica...ainda faço o sertão virar mar por conta dessa bendita febre de sentir...

Já ser copo não é tão magnânimo, tem que ter alma pra isso. Um corpo só não basta. Nem só um corpo, nem só uma alma. Há de se ter um ego tamanho GG para não cair na tentação de se sentir usada. Afinal, como diria Celso Russomano: estando bom para ambas as partes...

Acho mó graça desse povo que se lambuza numa situação e depois fica choramingando... como assim? Estava dormindo? Fora de si? As pessoas tratam a gente do jeito que a gente deixa, oras rs

Mas estava eu divagando sobre a vocação de cada ser: copo ou água, será que há predisposição genética? (burrice é hereditário!?) Parece que tenho talento pra água, mas reincidente - e conscientemente, o que agrava a culpa - sou copo. Demoro pra ver, poetizo a coisa, abstraio o que há de triste nisso, mas sou. Um copo de cristal, mas só um copo.


E sendo água a razão de existir dos copos, seria muita pieguice perguntar por onde anda a água da minha sede?


ET: Republicando. Incrível como as coisas mudam, mudam, e continuam iguais!

20 janeiro 2010

O SABOR DO GESTO


Uma das minhas metas para 2010 é deixar de ser besta e não esperar pelos outros pra fazer as coisas que quero. Dai que ontem foi uma ótema oportunidade pra treinar: Zelia Duncan por uma cx de leite (aquele projeto bacana da prefeitura, lembram?) 

O caso é que cairam todas as águas de março sobre a cidade e não me faltariam pretextos pra desistir de ir sozinha. Mas alheia às árvores caídas, bicicletas e motos arrastadas pela enxurrada, boeiros transbordando e à falta de luz em todo o bairro, eu fui \o/

O show rolou com a energia de geradores - ou a da própria Zelia que, dentro de um vestido rosa chiclete pa-vo-ro-so, (que não tinha NADA a ver nem com ela, nem com o tênis que estava usando, nem com coisa alguma!) pulava como se estivesse no palco com o Rappa e cantava como se não usasse microfone. Contagiante!

Suas letras seguem cópias fiéis de minha alma, como aquelas que a gente fazia no século passado contornando os mapas sob uma folha de papel de seda para as aulas de geografia (se as crianças de hoje em dia ouvissem isso...):

Não me salvo porque não me acho!

Eu me acerto, eu tropeço e não passo do chão, eu me apronto pro dia seguinte: escovo os dentes, abro a porta da frente, evito a foto sobre a mesa e ninguém aqui vai notar que eu jamais serei a mesma... 

Sou hóspede do tempo, da minha casa, das minhas palavras, das coisas que declaro minhas... inquilina da vida que me foi dada...

Olhos pra te rever, boca pra te provar, noites pra te perder, mapas pra te encontrar, fotos pra te reter,luas pra te esperar, voz pra te convencer, calma pra te entender, verbos pra te acionar, luz pra te esclarecer, cartas pra te selar, sexo pra estremecer, silêncio pra te comover, música pra te alcançar, refrão pra enternecer: meus verbos sujeitos ao seu modo de me acionar! 

É tão bom não ser divina! Quem se diz muito perfeito na certa encontrou um jeito insosso pra não ser de carne e osso...  

Do CD novo, mais uma que me veste (despe?)

♬ Eu sai pra estrada e não tenho pra onde ir
Sempre ouvi dizer que esse mundo era pequeno
Pelo caminho de espinhos avistei um mar de rosas
Pra chegar até lá eu preciso um pouco mais de tempo
Preciso de um grande amor
Preciso $
Preciso de humor
Eu quero matar a vontade enquanto tenho saúde e idade
Fazer um pouco de tudo
Manter a alma pra poder ganhar o meu mundo
... ♬ 

Diferente do show do Frejat que me remeteu aos meus mal-entendidos do coração, este foi uma viagem àquele lugar que ninguém mais pisou, onde estão empilhados todos os registros sinestésicos das coisas que me acontecem. (e as que não acontecem também!)

ingresso = 2,50
taxi = 15,00
o "sabor do gesto" = não tem preço!!!!

12 janeiro 2010

SÉRIE O BONEQUINHO VIU Nº 4

Eu achava que tudo que podia ser dito sobre a ditadura tinha se esgotado em Batismo de Sangue... Até assistir Tempos de Paz: ainda não tinha assistido nada do ponto de vista dos torturadores. 

O bonequinho aplaude de pé por 1 minuto inteirinho a giga interpretação de Dan Stulbach:



Percam os 10 minutinhos do vídeo. Vale muiiiiito a pena!

Segue íntegra do monólogo: (esse texto em espanhol deve ser de chorar muito no cantinho, hein tri?!)

Ai miserável de mim e infeliz!
Apurar, ó céus, pretendo,já que me tratais assim,
que delito cometi contra vós outros, nascendo?;
que, se nasci, já entendo qual delito hei cometido:
bastante causa há servido vossa justiça e rigor,
pois que o delito maior do homem é ter nascido!
E só quisera saber,para apurar males meus
deixando de parte, ó céus,o delito de nascer,
em que vos pude ofender por me castigardes mais?
Não nasceram os demais?
Pois se eles também nasceram,
que privilégios tiveram
como eu não gozei jamais?
Nasce a ave, e com as graças que lhe dão beleza suma,
apenas é flor de pluma, ou ramalhete com asas,
quando as etéreas plagas corta com velocidade,
negando-se à piedade do ninho que deixa em calma:
só eu, que tenho mais alma, tenho menos liberdade?
Nasce a fera, e com a pele que desenham manchas belas,
apenas signo é de estrelas graças ao douto pincel,
quando atrevida e cruel, a humana necessidade lhe ensina a ter crueldade,
monstro de seu labirinto:
só eu, com melhor instinto, tenho menos liberdade?
Nasce o peixe, e não respira,aborto de ovas e lamas,
e apenas baixel de escamas por sobre as ondas se mira,
quando a toda a parte gira, num medir da imensidade
co'a tanta capacidade que lhe dá o centro frio:
só eu, com mais alvedrio,tenho menos liberdade?
Nasce o arroio, uma cobra que entre as flores se desata,
e apenas, serpe de prata, por entre as flores se desdobra,
já, cantor, celebra a obra da natura em piedade
que lhe dá a majestade do campo aberto à descida:
só eu que tenho mais vida, tenho menos liberdade?
Em chegando a esta paixão um vulcão, um Etna feito,
quisera arrancar do peito pedaços do coração.
Que lei, justiça, ou razão, nega aos homens - ó céu grave!
privilégio tão suave, exceção tão principal, que Deus a deu a um cristão, ao peixe, à fera, e a uma ave?

Monólogo de Segismundo - La Vida Es Sueño -
de Pedro Calderón de la Barca

(copy de Julio Diniz)