28 março 2010

MARIA DAS DORES


Maria das Dores foi o nome que dei à pessoa sobre quem vou escrever nas próximas linhas. Julgo procedente a observação de Daniel, que disse pra eu usar outro nome quando fosse falar dos outros aqui. 

Maria das Dores tem 40 anos, um noivo cabeça de bacalhau, dois ouvidos de turbeculoso, uma língua venenosa e TODAS as doenças existentes (e também as que aguardam um batismo cristão científico). Trabalha comigo há 1 ano e não conta com a minha mais remota simpatia.

Nesta semana que passou, pra me distrair um pouco (e já pensando num texto, confesso!) resolvi anotar todas as suas queixas. Motivo razoável para isso não existe. Foi só um espírito de porco que baixou de frente, me deixando inclinada a esse tipo de inutilidade.

O fato é que ela não repetiu nenhum sintoma. Para cada dia houve uma dor diferente e insuportável lhe atrapalhando a vida. Ela já está tão habituada a isso que no meio de uma conversa qualquer é capaz de interromper o que está dizendo, pedir desculpas, dizer o que lhe dói no momento e retomar o assunto. Comigo acontece as vezes de lhe chamar, ela responder imediatamente, se desculpando por não ter me ouvido, mas-é-que-minha-cabeça-está-explodindo-e-não-consigo-pensar-direito. Impressionante.

Todo mundo conhece gente assim. Eles estão por toda parte. Meu interesse pelo assunto nasceu quando descobri que eles não são, necessariamente, velhos: Penadinho tem apenas 30 anos e já acumula mais conhecimentos médicos que sua avó, seu pai e sua mãe JUNTOS! Foi com ele que aprendi que sexo é um anti histamínico natural. Para ser justa devo acrescentar que sua hipocondria já me poupou 2 consultas. Usei o que ele prescreveu e deu hiper certo. 

Mas o que leva alguém a chegar a esses níveis? Não pode ser só o medo de morrer... 

Será que pode ser considerado como um vício?

Será que tem cura?

Não é intrigante a pessoa ter tanto pavor de ficar doente que acaba ficando mesmo?

Partindo para os meus achismos: Maria das Dores demanda doses extras de atenção. (Penadinho também, mas lançava mão de outros expedientes para conseguir a minha) Mas pq acha que se dizendo permanentemente avariada ela conseguiria? Isso funciona na infância, sem dúvidas, mas como ela ainda não enxergou que não funciona com adultos? Aliás: será que ela tem, semi conscientemente, a intenção de atrair a atenção dos outros com seu calvário in box? O que a faz supor que pode funcionar? E se não tem intenção, pq diabos faz isso???

(percebam que ela só não tem a minha simpatia, mas a minha curiosidade ela tem, inteirinha rs)

Bom, voltando. Dai que na sexta feira eu me senti tentadíssima a lhe entregar o papelzinho com suas doenças da semana. Ia ser bem escroto da minha parte e só por isso não fiz, mas perdi uns bons minutos imaginando qual seria a reação. Será que ela me acharia escrota e ponto? Nem ia parar pra pensar se era possível a um vivente sentir uma coisa diferente a cada dia, todo dia?

Jamais saberemos. tsc

21 março 2010

SÉRIE O BONEQUINHO VIU Nº 5

Dia desses eu fui ver a peça tri-recomendada de Elisa Lucinda:



Estou encantada! É tudo que consigo dizer a respeito. Deixo pra vcs a essência da coisa:

Libação

É do nascedouro da vida a grandeza.
É da sua natureza a fartura, a proliferação 
os cromossomiais encontros,
os brotos, os processos caules, 
os processos sementes, 
os processos troncos,
os processos flores,
são suas mais finas dores...

As conseqüências cachos,
as conseqüências leite,
as conseqüências folhas, 
as conseqüências frutos,
são suas cores mais belas

É da substância do átomo
ser partível, produtivo, ativo e gerador 
Tudo é no seu âmago e início,
patrício da riqueza, solstício da realeza

É da vocação da vida a beleza
e a nós cabe não diminuí-la,
não roê-la com nossos minúsculos gestos ratos, 
nossos fatos apinhados de pequenezas,
cabe a nós enchê-la
, cheio que é o seu princípio 

Todo vazio é grávido desse benevolente risco
todo presente é guarnecido do estado potencial de futuro 

Peço ao ano-novo
Peço aos deuses do calendário 
Peço aos orixás das transformações: 
nos livrem do infértil da ninharia!
nos protejam da vaidade burra
da vaidade "minha", desumana, sozinha
Nos livrem da ânsia voraz
daquilo que ao nos aumentar nos amesquinha.
 

A vida não tem ensaio mas tem novas chances: 
Viva a burilação eterna! 
Viva a possibilidade, o esmeril dos dissabores! 
abaixo o estéril arrependimento,
a duração inútil dos rancores! 


Um brinde ao que está sempre nas nossas mãos:
a vida inédita pela frente e a virgindade dos dias que virão!

11 março 2010

BEIJO MULTIMÍDIA

Amor ensina o óbvio. É o que eu mais gosto de aprender.

Nem sempre mereço atenção. As crianças têm o direito de serem tolas, por isso são mais sábias.

Minha namorada narrava as diferenças entre o Playstation e o Nintendo Wii e mencionou a expressão device. Eu nunca descobri o significado. No passado, utilizei o termo pela intuição, coitado de quem me ouviu.

- O que é?

- Está brincando?

- Não sei, o que é?

- Para de gozação!

Admiti que conhecia, pois estava ficando chato. Já me sentia um ignorante. Como desconheço device aos 37 anos? Como?

Ela anteviu que tirava sarro dela, que me fingia de burro para que explicasse à toa. Como ninguém quer ser idiota, fica complicado salvar a idiotice alheia.

Eu era burro mesmo. Tentei resolver essa lacuna e abrir espaço para outras ignorâncias. Confesso que careci de coragem para teimar e imprimi uma risada apaziguadora. Soou como brincadeira.

O que me arrebata é a chance de ser puro. Como muitos juram que sou malandro e maquiavélico, arriado e abusado, dificilmente alguém confia na minha limitação. A curiosidade sofre os efeitos colaterais da reputação e não recebe reforço.

De vez em quando, Cínthya esquece quem eu sou para me amar mais. E é minha melhor professora: Teimei em entrar com uma ameixa em seu carro. Vermelha, lustrosa, com todo o verão dentro. Estávamos atrasados. Costumo comê-la com o rosto inclinado ao chão para derramar o prejuízo no tapete dos pés. Não estudei como destroçaria a fruta em seu carro. Sentei no impulso, traindo minha atitude selvagem e desprezando o encolhimento do espaço.

Dei uma mordida e o sumo escorreu para a calça; ela olhando, limpei. Na segunda investida, já de pernas abertas, o líquido infestou o banco; ela olhando, disfarcei. Quando consegui espirrar no vidro, ela interferiu na operação, não havia como se manter distante. Ou falava ou seu twingo se transformava num liquidificador:

- Vem cá, por que não chupa ao morder?

- Chupar ao morder? Posso?

- Claro, depois que larga os dentes, chupa.

Ela aceitou meu despreparo e contornou o caroço e mordeu e chupou perfeitamente. Engoliu a lasca e o suco. Vi que podia. Pena que não tinha mais ameixas para exercitar.

- Onde aprendeu?

- Em Constantina, sou campeã para não me sujar.

Ainda não perguntei sobre os efeitos colaterais dessa aula. Mas não duvido que não tenha influenciado até minha forma de beijá-la.
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Fabrício Carpinejar, aqui ó


Eu já disse por aqui que há um correspondente feminino para a letra de "garotos" do Leoni? Pois há. Talvez por gravar ainda, mas há. Não tenho dúvida.

Machos que inspiram esse tipo de música andam alguns passos a frente do resto de sua raça e não encontramos em qualquer esquina, obviamente. Eu mesma, pra ser sincera, só conheço dois. (vindo de mim não é um número que mereça espanto, dado o tamanho ridículo do meu espaço amostral!) 

Os donos dos dentes e sorrisos que mastigam meu juízo não têm talento pra escrever como Carpinejar, pq perfeição só existe no céu. Mas não posso deixar de fantasiar: qualquer um que consiga dizer sem dizer como ele fez no texto acima tem TODOS os predicados para inspirar um CD inteirinho... ui!


06 março 2010

PROJETO FAMÍLIAS RENOVADAS

Li dia desses na BBC Brasil que uma arquidiocese italiana organizou um curso para sogras aprenderem a não perturbar a vida dos casais.


Achei sensacional. (e levemente consolador: é sempre bom ver nos jornais alguma iniciativa útil, já que a Igreja só vira manchete se for escândalo sexual ou quando alguma autoridade eclesial diz ou faz alguma coisa imbecil)  

Pode funcionar. Creio que boa parte das sogras católicas deve ser beeeem beata. Se ouvirem as obviedades relativas ao assunto dentro da Igreja, talvez tomem como preceito cristão hohoho

A idéia é boa mas não vai à raiz do problema. Para que "sogra" deixe de ser sinônimo de encrenca, na minha modesta opinião deveriam pensar num curso para mães, que criando filhos emocionalmente melhores, formarão melhores pais, que quando se tornarem avós serão melhores também. Cortando o cordão umbilical na hora certa - no parto!, criando meninas e meninos com os mesmos direitos e deveres, dando limites, construindo valores baseados no "ser" e não no "ter" e tal & tudo. A coisa não se resolve em poucos anos... 

Minha tese é baseada na atenta observação de um ser que só aprendeu a passar suas roupas aos 30 anos e por absoluta falta de opção: meu irmão. É que sra. minha mãe, depois de longos e honrosos anos de trabalho, se aposentou. Hoje em dia ela é só avó. Não dedica mais 40 horas semanais do seu tempo administrando o lar de modo que ou ele se mexe ou anda sujo e amassado. Pq eu - que lavo e passo minha roupa desde os 13 anos, me recuso sorridentemente a ratificar com a minha conivência essa idéia de jerico que homem não foi feito para tarefas domésticas.

Faço tudo que posso por uma adaptação menos traumática: já ensinei o caminho da máquina de lavar, apresentei a cafeteira, contei que se o ovo não estiver gelado, não vai espirar quando cair na panela e demonstrei numa aula prática que o único item auto limpante da casa é o forno: assisti, indiferente, ele precisar comprar cuecas e meias pq não tinha mais NENHUMA limpa ...

Sinhozinho não só aprendeu rápido como não lhe caiu nenhum dedo! Até pq ele - como todos os outros homo sapiens - tem uma noção razoável da dinâmica da coisa: ele sabe que se alguém sentar com o biquini molhado no banco do carro vai ficar fedendo jaula. Só não aplica o mesmo conceito à toalha molhada que deixa sobre a cama pq sua digníssima genitora lhe tirou a oportunidade de constatar a verdade da teoria cada vez que recolheu a peça e estendeu no varal.

Mas e dai? Dai que eu acho que se minha mãe tivesse se ocupado menos com o filho - além de não ter criado um homem quase imprestável e potencialmente um estorvo de marido - ela teria vivido melhor a própria vida e não precisaria se ocupar com a alheia.

Nada me tira da cabeça que sogras não nascem com vocação pra capetice: é por falta de assunto, por não saber o que fazer com o tempo livre que se metem tão desavergonhadamente em assuntos que não lhes dizem mais respeito.